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Pier Cesare Rivoltella: "Falta cultura digital na sala de aula"

O Brasil ainda engatinha quando se fala em inclusão digital nas escolas públicas. Até o ano passado, das 143 mil instituições de Ensino Fundamental do país, cerca de 17 mil contavam com laboratórios de informática, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). Porém cresce nas faculdades de Educação a preocupação em formar profissionais preparados para lidar teoricamente com a linguagem das novas mídias e seu significado nas salas de aula. É para apoiar projetos como esse que o filósofo italiano Pier Cesare Rivoltella - , especialista em Mídia e Educação da Universidade Católica de Milão, na Itália, visita o Brasil com freqüência. Ele orienta pesquisas sobre a relação entre jovens e internet do Grupo de Pesquisa Educação e Mídia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), onde também dá aulas sobre Mídia e Educação, e acompanha pesquisas de mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina.

Para Rivoltella, os meios de comunicação dão impulso à inovação do ensino. "É a troca da abordagem tradicional - baseada na fala do professor à frente da sala de aula - pelo uso de mídias que favoreçam o trabalho em grupo mais ativo, dinâmico e criativo em todas as disciplinas." O especialista, que também forma docentes da rede pública italiana, ainda sente uma certa resistência cultural quando se fala em tecnologia na sala de aula. "Os professores não são formados para lidar com elas", afirma. No Brasil, o cenário não é muito diferente. "As experiências, geralmente, são voltadas para o conhecimento técnico dos meios de comunicação, não o crítico."

Como os jovens se relacionam com as novas tecnologias?
Pier Cesare Rivoltella
 Uma das maiores características desse público é o que chamamos de uma disposição multitarefa. Ele responde às mensagens do celular, ouve música no iPod, vê TV e fala com os amigos no Messenger - tudo ao mesmo tempo. Da mesma forma, ele sabe que acessar a internet pelo computador de casa ou pelo telefone celular é muito diferente. O computador, geralmente, é de toda a família e fica na sala. O celular é pessoal. Além disso, o jovem de hoje reconhece as especificidades de cada tecnologia e se adapta a elas. Ele pode sair pela cidade enquanto olha a tela do celular - o que é impossível na frente da tela de um computador. Fazer tudo isso simultaneamente é uma característica típica das novas gerações. Por um lado, isso lhes confere uma elaboração cognitiva muito rápida. Por outro, acaba deixando-os na superficialidade, pois não dá tempo de se aprofundar nos assuntos.

Como as escolas se relacionam com esses jovens?
Rivoltella
 Mal, muito mal. Hoje, as novas gerações estão completamente ligadas à tecnologia e aos meios de comunicação. Elas fazem parte de uma cidade que não é só real mas também digital. E nesse espaço você não é brasileiro nem italiano. Os jovens de hoje são criados numa sociedade digital. Por isso, educar para os meios de comunicação é educar para a cidadania. Daí vem a urgência de a escola se integrar a essa realidade.

O que significa dizer que a mídia deve fazer parte do cotidiano da escola?
Rivoltella
 Que ela deve permear os processos de ensino e aprendizagem, como acontece com a escrita. O papel do professor que usa a tecnologia é parecido com o do diretor de um filme. Trata-se de um professor-diretor, que não se limita a falar, mas passa a direcionar o uso dos meios de comunicação pelos alunos.

Qual a melhor forma de levar o tema mídia para a sala de aula?
Rivoltella
 Como um tema transversal. Alguns pesquisadores defendem a criação de uma disciplina específica, mas já está provado que isso não funciona. Se apenas um professor responde pelo conhecimento da tecnologia e da mídia (como ocorre em muitas escolas que têm salas de informática), os outros tendem a se desinteressar pelo assunto. E, para ser eficaz, esse trabalho precisa ser feito em equipe. O professor de Língua Portuguesa trabalha com a análise do texto e o uso da linguagem na mídia. O de Arte, com a dimensão expressiva dos meios. O de Tecnologia, com as ferramentas. O de Matemática, com a representação da disciplina nos diferentes meios de comunicação. E assim por diante.

O professor que não fizer isso vai ficar para trás?
Rivoltella
 Sim, já está ficando. E digo isso porque ele não compartilha com os alunos a mesma cultura, o que gera um abismo entre eles. A pior conseqüência disso é não conseguir estabelecer um diálogo educativo. Aqui, na Europa, é comum o professor ver os meios de comunicação como uma cultura popular e de baixo nível, em oposição aos livros, que são a alta cultura. No Brasil, me parece, a questão é outra: muitos educadores não têm sequer acesso a elas. Nesse caso, a situação é ainda pior.

Como os professores se relacionam com as novas mídias?
Rivoltella
 Uma pesquisa que fizemos em 2006 revelou que 18% dos professores italianos só usam a internet para fazer pesquisas. Eles também não debatem com os alunos os problemas culturais ligados às novas tecnologias - ou porque não entendem que isso interessa a eles, ou porque não se consideram preparados para isso. Na escola, a tecnologia ainda é vista como um perigo, não como uma aliada.

O que o professor precisa para explorar as tecnologias em sala de aula?
Rivoltella
 Precisa saber fazer análises críticas e organizar atividades de produção usando essas tecnologias (e também os meios de comunicação). Os computadores e celulares deixaram de ser apenas ferramentas de recepção. Hoje, são também de produção. Uma criança pode tirar fotos ou fazer vídeos com um celular e publicá-los na internet. Qualquer um pode editar e produzir conteúdo. Há cinco anos, éramos apenas consumidores de conteúdos prontos. Da mesma forma, é importante o professor organizar palestras e oficinas de produção multimídia, conhecer as linguagens da mídia, saber utilizar uma câmera e dominar a dinâmica dos textos na internet, com seus links para outros textos. Na Itália, trabalhos como esse são feitos nas disciplinas de Arte e Língua Italiana no Ensino Fundamental.

Os cursos de graduação em Pedagogia têm a preocupação de preparar os professores para lidar com as novas tecnologias?
Rivoltella
 Na Itália, ainda não temos um curso de graduação que forme mídia-educadores - isso só existe em nível de mestrado e doutorado. No Brasil, essa preocupação parece ser maior. Na faculdade de Educação da PUC de São Paulo, há estudos sobre o tema desde meados dos anos 1990. O mesmo ocorre na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A PUC do Rio de Janeiro e a Universidade Federal de Santa Catarina também têm disciplinas de Mídia e Educação nos cursos de graduação em Educação. E acompanho projetos como orientador do Grupo de Pesquisa Educação e Mídia da PUC carioca.

O que um curso desse tipo deve oferecer aos futuros professores?
Rivoltella
 Em primeiro lugar, é essencial definir objetivos e metodologias para uma formação que abranja todos os meios de comunicação. Isso permite que o professor, quando passar a dar aula, saiba em que momento deve usar cada mídia com os alunos, o que facilita muito seu planejamento. Ele também precisa conhecer teorias da comunicação e da recepção e metodologias de pesquisa, como técnicas de entrevistas. E, finalmente, o curso deve ensinar a avaliar. Em mídia-educação, provas objetivas não permitem a mensuração do que o aluno vê numa imagem. É preciso observá-lo vendo TV. Analisar o comportamento no contexto real em que ele lida com a mídia ajuda o professor a perceber comportamentos reais e a propor debates e discussões.

Ao mesmo tempo, o senhor defende a criação de um novo tipo de profissional, o mídia-educador. Qual o papel dele?
Rivoltella
 Ele é um especialista no tema. Tem competências nas áreas de Comunicação e Pedagogia e, na escola, ajuda a formar os professores das outras disciplinas e atua em conjunto com eles no aprofundamento do trabalho educativo com os meios de comunicação. Na Europa, os mídia-educadores vêm da Comunicação e da Pedagogia - ou se formam em cursos como o de Mídia e Educação, que dirijo desde 1999. Eles já atuam em algumas escolas públicas italianas, embora o Ministério da Educação não tenha posição oficial sobre a questão. Muitos são consultores de escolas, sobretudo nas que têm autonomia financeira.

Muitos defendem que esse mídia-educador ajude a aprimorar a programação infanto-juvenil.
Rivoltella
 Eu estou entre eles. O mídia-educador é o profissional que tem competências pedagógicas para preservar os valores e a ética necessários na produção audiovisual direcionada ao público infanto-juvenil. Há tentativas de inserir o mídia-educador nos canais de TV italianos, mas as empresas ainda estão completamente voltadas a interesses econômicos.

No Brasil, ainda há muita resistência ao uso da tecnologia na escola.
Rivoltella
 Isso é muito ruim porque o Brasil fica para trás nessa questão que é crucial. Na Europa, ela já foi amplamente superada, pelo menos no que diz respeito a computadores. O que falta é formar professores que dominem as relações entre mídia e Educação. Hoje, o que existe é uma competência instrumental, o mínimo necessário para desenvolver um pensamento crítico sobre a internet, por exemplo.

Como atuar numa escola sem TV, DVD, computador?
Rivoltella É possível desenvolver bons trabalhos usando meios como a escrita e a fotografia. Até as rádios comunitárias, que são muito comuns no Brasil, podem ser bem aproveitadas em sala de aula.
Quer saber mais?
Contato
Pier Cesare Rivoltella, piercesare. rivoltella@unicatt.it 

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